Histórias Obscuras – Capítulo 2

De tempos em tempos, SUED libera um de seus textos do projeto Histórias Obscuras para rolar aqui. Quem ainda não conhece esse projeto, é legal conferir neste link para entender melhor como tudo começou. Boa leitura para vocês. (Rafael S. Tanisho)

ESPELHO, ESPELHO MEU…

“… — Saindo cedo novamente, Sr. Henrique?

— Ossos do ofício, meu caro Flávio e, escuta aqui, já não falei para não me chamar de senhor?

— Ossos do ofício, Henrique. Vai deixar o café da manhã e o taxi pago, como de costume?

— Por isso é bom ser cliente! Faça esse favor e já desconte do cartão…)

Henrique era o nome do meu pai. É a única coisa que carrego de minha família, bom, além dos trinta milhões de herança.

Não lembro muito bem de minha infância, talvez não queira lembrar. Família rica e esnobe que nunca tem tempo para os filhos. Morreram em um acidente de avião ao auge de meus dezesseis anos de idade, o que me trouxe uma fortuna muito bem gasta em viagens, farras e diversões ao meu estilo. Estilo esse que pode ser mal visto por muitos, sem perspectiva de futuro, podia muito bem investir em um negócio próprio, mas não… Vamos aproveitar a vida.

Hoje, tenho vinte e seis anos bem vividos. Perdi as contas de quantos lugares visitei. Pense onde sempre quis conhecer. Pensou? Já estive por lá. Conheci inúmeras pessoas, das mais ricas às mais simples, pudera, freqüentei cada tipo de lugar. Finais de noite podem ser tenebrosos.

Porém, pelo que sempre fui apaixonado… Mulheres, sim, mulheres. Nunca passei uma semana sequer sem uma bela senhorita à companhia. Sempre foi um vício, sempre tive a mulher que desejava, naquela noite, não importava, eu conseguia!

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Aqui em Vegas tenho o meu nome reservado em um quarto de motel. Não me culpem, muitos perdem a
cabeça em uma mesa de poker, aquele fascínio pela estratégia, pelo apostar, pelo blefe, pelo jogo. Tudo sempre passou de um jogo para mim, não importava a aposta, eu sempre cobriria para levar o pote mais alto da mesa. Entretanto, era apenas por uma noite, apenas para deleitar o prêmio e, antes do sol nascer, voltava para qualquer lugar, esperar a próxima noite, para em um próximo cassino, entrar novamente na mesa…

Mulheres; tantos nomes, tantas faces, tantas histórias, promessas, momentos, fragrâncias, trejeitos, prazeres e despedidas. Antes mesmo que pudessem perceber, eu já não mais estava dividindo o mesmo travesseiro. Tinha o costume de deixar um bilhete dizendo coisas como “Um dia nos encontraremos novamente”, ou “O destino ainda fará cruzar nossos caminhos”… Mas; dizem que o amor é a ruína de um homem, agora eu entendo, caso contrário não estaria escrevendo um testamento de trinta milhões sem ao menos ter a quem ofertar…

Bom, deixe-me contar…

Seu nome era Samanta, a conheci noite passada, uma linda e chamativa moça, sua magreza acentuava-lhe as curvas desenhadas naquele vestido vermelho, uma pele branca pálida onde ressaltavam os olhos azuis claros, estes grandes e provocantes, me enlouquecia com aquele olhar malicioso, aquelas mordidas de canto de boca naqueles lábios fartos pintados também de vermelho.
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Convidei-a para uma dança, uma dança lenta, ela aceitou. Minhas mãos deslizavam por suas costas, na seda do vestido, tão fino que podia sentir sua pele em meu tato, repousei a direita em sua cintura, com a esquerda pressionava-a contra mim, podia sentir seus seios fartos roçarem em meu peitoral… Estava ensandecido, quase fora de mim, ela havia conquistado meu corpo e todos os meus sentidos carnais sem nenhum esforço.

Mas foi quando ela me sugeriu ao pé do ouvido ir até o bar tomar um drinque, que fiquei confuso em quem era o caçador e quem era a caça na situação. Aquela voz carregada que parecia um gemido grave de mulher me conduzia como coelho recém abatido para um canto reservado da boate.

Dissemos os nomes, falamos sobre a essência de cada um. Não foi difícil arrumar assunto, parecia que estava conversando com um outro eu, mas um eu extremamente sensual.

Ela era firme nas palavras, por mais que as pronunciasse numa malemolência de tirar a atenção, Samanta parecia ser feita para mim, sem delongas, sem estórias, as coisas como são, a vida passageira, os momentos duradouros enquanto durarem, as luzes e as taças, a vida noturna e o mundo como lar, sem raízes e pronta para qualquer coisa a qualquer hora…

Pela primeira vez estava intimidado de dar um passo à frente, mas ela o fez por mim. Disse não se deitar com qualquer um, mas que eu não parecia ser qualquer um e, em momento algum cheguei falar de minha fortuna.

Em pouco tempo estávamos neste motel, com minha mesma encenação com Flávio: o rapaz que vai até o lugar pela primeira vez fingindo estar sem jeito e o atendente cordial e disposto que oferece o melhor quarto e mostra todos os benefícios… Juro que nunca parei para contar quantas vezes foram assim, mas, dessa vez, juro que senti vontade de apresentar Samanta para Flávio, ele é o mais próximo de um amigo que posso considerar e, eu estava feliz por ter estado naquela boate naquela noite e naquele momento, conhecido aquela mulher de um metro e setenta e cinco, cujos cabelos loiros claros esvoaçavam a cada soar de seu salto no chão, o movimento de suas curvas no vestido eram perceptíveis a quem olhasse e, pela primeira vez, eu não estava naquele lugar apenas com intenção de possuir aquele corpo.

Entramos no quarto e foi ela quem trancou a porta. Estava nítido de que, daquela vez, não seria eu quem daria as ordens… “Vamos nos divertir muito esta noite, como se fosse a última.” – sussurrou Samanta em meu ouvido antes de arrancar minha camisa num só movimento. Era uma dominadora, nessa primeira vez, mal deixou que a tocasse, arrancou minha calça e todas as minhas razões iam deixando de existir enquanto ela, ajoelhada, coloria-me com seu batom vermelho.

Já estava cego, não conseguia reagir, apenas deliciava-me com o momento, já desprovido de qualquer pensamento puro, completamente transtornado, como um animal. Empurrou-me com seu corpo até que eu caísse na cama, virou de costas e em movimentos lentos rebolados, arrancou sua calcinha rendada, também vermelha. Atirou-se para cima de mim e me montou, ainda de vestido, cavalgava como uma amazona, não tirava seus olhos dos meus, me provocando com mordidas e gemidos…

Após me ganhar e fazer seu jogo sádico de meretriz, revezamos, arranquei-lhe o vestido e continuamos a noite toda banhados em prazer.

No final, nos olhamos, rimos, brincamos, conversamos e quando nos deitamos para dormir um pouco, por costume peguei meu celular, o programaria para despertar vibrando em meu travesseiro para sair mais cedo, já tinha até o bilhete que deixaria esta noite, guardado dentro da carteira… Mas hesitei. Não desta vez. Havia encontrado em Samanta algo que carregava comigo desde que me entendo por gente e decidi dormir ao seu lado e esperar o sol nascer para decidir o que seria feito.

Juro que estaria feliz se amanhecesse ao lado dela…

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Quando acordei, ela já havia ido embora, vasculhei em todos os cantos deste quarto e, era verdade, nunca mais a veria, Samanta, a mulher que me ganhou e ao mesmo tempo a mulher que me fez perder, a responsável por eu ter sentido o gosto da verdadeira felicidade por uma noite e ao mesmo tempo, a que me deixou seu gosto de nunca mais…

Samanta, o motivo por eu estar escrevendo meu testamento em um quarto de motel… Ela também me deixou um recado, transcrito em caligrafia de mulher, com aquele batom vermelho, no espelho do banheiro, que dizia: “Bem vindo ao clube da AIDS.”

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