Via Expressa – Mini Conto

Martin já nem via mais os objetos na lateral da estrada. Dentro do Bugatti,  tudo que havia do lado de fora parecia apenas um borrão disforme. Não era à toa. Conforme o pé do motorista aproximava-se do chão do carro mais parecia que o veículo, caso dispusesse de asas, decolaria.

Com as mãos suadas, ele desenhava-se na estrada, como um borrão negro desviando de outros carros em meio à Autobahn. Aquele era seu plano final. Não havia mais planejamento. Não havia mais onde investir. Nem com o quê.

Naquele momento, Martin sentia-se um com o carro. Ele era simultaneamente velocidade, medo, coragem e desespero. Na estrada, ninguém ousava pôr-se no caminho do Bugatti. Não havia carro mais rápido. Nem mais perigoso.

É curiosa a forma como a mente humana encara o perigo iminente. Martin estava há algum tempo com um perigo de morte constante, e embora todos os nervos de seu corpo gritassem em uníssono para o motorista pisar imediatamente no freio, algo o impelia à frente. Ele não pararia antes de sentir-se completo.

Na mente de Martin, passava uma miríade de imagens. Vinham a ele momentos marcantes de sua vida e como carros em alta velocidade na contramão, o que ficava era apenas a imagem atrasada; um borrão de sentimentos.

Perto dos 250 Km/H, o nascimento de sua filha, Doris, passou-lhe rapidamente pela cabeça. Uma breve alegria que fez um esboço de sorriso permear sua boca. Contudo, passar por um carro preto logo em seguida fez-lhe lembrar do fim da menina. Fim do sorriso. Fim da alegria.

300 Km/H. Seu casamento havia começado muito bem. O  Volkswagen branco havia-o lembrado muito bem disso. Bem como o seguinte, cinza como as nuvens daquele dia chuvoso o lembraram do último beijo que dera na esposa. Como Martin queria ter podido ter uma última chance com ela. Mas depois de Doris, como seguiriam juntos?

No som do carro, Martin fez questão de aumentar o volume ao máximo. Lemmy Kilmister gritava e esmagava seu baixo com força nos caros alto falantes, fazendo com que a mente de Martin se recordasse da primeira mecânica. Boa loja. O cheiro de gasolina e diesel dos motores, sempre regados à música igualmente volátil do Motorhead era o que deixava-o vivo na época. Fazia-o sentir útil, produtivo. Acima de tudo, Martin era um homem prático. Até na forma de partir. Nunca ia embora com um adeus longo e triste. Preferia um abraço sucinto ou um aperto de mãos firme e decidido.

“Se havia algo que eu era bom”, pensou ele, “era testar aqueles carros. Cara, eu era veloz…”. Ele realmente o era. E o estava sendo novamente. A Autobahn para ele era apenas uma nova pista. Os carros, seus adversários. Não bateria neles, pois receberia uma advertência. Mas sozinho, fazia-se de boneco de testes vivo.

Perto dos 400 Km/H, já não alcançava o limite do carro. A estrada acabaria, seu motor não acelerava mais do que aquilo e mesmo a gasolina logo acabaria. Por alguns minutos, apenas ouviu a música ritmada e o ronco absurdamente agressivo do motor. A decisão estava tomada. Não sentia mais medo. Sua mão não suava.

Em dado momento, uma escavadeira, utilizada mais cedo em um reparo, apareceu abandonada ao largo da estrada. Naquela velocidade, só havia um momento. Um segundo de decisão. Ele não hesitou.

O que viu-se foi um meteoro no chão. Não importava mais o carro ou o motorista. Doris ou Lemmy. Tudo acabou-se em uma via expressa, uma bola de fogo que reduziu a zero a velocidade mais alta atingida por determinado ninguém.

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