No Divã dos Personagens – Coraline
Oi gente!
Tudo bem com vocês?
Levando a ideia dos personagens mais “assustadores” no mês, não podia deixar de escrever algo que remetesse a infância também, né?
Pra comemorar esse dia das crianças, que tal aprender um pouquinho sobre a Coraline (sim, a do Mundo Secreto) … Vamos lá?
Ah, sempre é bom lembrar, contém spoilers do filme, ok?
Vocês lembram do texto do Scar, sobre pulsão de morte? Usei nele contexto de uma teórica incrível, chamada Melanie Kléin … no caso da Coraline, a mesma senhora vai ajudar…
Então, só vem 😉
O filme conta a história da Coraline, uma menina de 11 anos, que se sente “abandonada” pelos pais. A mãe trabalha muito e é a “chefe da casa”, o pai também trabalha e fica por conta dele as tarefas domésticas, como cozinhar (que ele não realiza tão bem rs). Ambos escrevem sobre plantas, mas quem olha para o jardim deles, nem consegue imaginar isso. É tão malcuidado…
Coraline fica “livre”, já que seus pais não tem tempo pra ela. Como se mudaram, ela não tem amigos na vizinhança e usa a imaginação para ter uma “outra família”.
Coraline não pode brincar na chuva e na lama, e rebate com sua mãe que “ela escreve sobre jardinagem mas odeia terra”. Sua mãe não dá importância para as pequenas coisas, nem mesmo as grandes, como quando a Coraline conta que quase caiu dentro de um poço e a única resposta da mãe foi “que legal”.
Claramente, os pais de Coraline não correspondem aos pais idealizados por ela.
A mãe não supre as suas necessidades e seus anseios, não conseguindo assim ser um objeto total para a filha.
Para vocês entenderem um pouco da teoria da Melanie, ela usa termos como “seio bom” e “seio mau”, para designar mãe boa e mãe má. Por favor, não levem para o lado pejorativo, hein? Essa exemplificação da Melanie é pelo fato do bebê ter como primeiro objeto o seio da mãe, que lhe dá alimento quando precisa. Por isso: uma mãe boa, é aquela que alimenta, uma mãe má, é aquela que não alimenta. A criança pode vir a desenvolver duas formas: o seio (mãe) que alimenta quando precisa: seio bom (mãe boa) ou então, o sei (mãe) que lhe faz sentir fome, que é agressivo: seio mau (mãe má)
Entenderam?
Sei que é complicadinhos, mas tentei deixar o mais “fácil” possível.
Agora que entenderam um pouquinho mais do conceito, voltemos ao filme.
A mãe verdadeira da Coraline, portanto, é uma mãe má.
Em uma determinada cena, na sala de jantar, Coraline pergunta a sua boneca: “Acha que estão tentando me envenenar?” Isso é uma demonstração da falta de confiança, ela se sente ameaçada, a relação está ruim, isso tudo é causando pela frustração excessiva.
A relação com os pais não está “combinando” com as suas fantasias inconscientes e seus pais idealizados. Vamos entender então o que são fantasias inconscientes?
Para Klein, a fantasia inconsciente é a expressão mental dos instintos, e existe desde o começo da vida.
“(…) a fantasia inconsciente surge como parte de um processo natural de transformação de necessidades instintivas em fatos psíquicos. Neste contexto, ela se torna representante mental das pulsões e adquire um caráter de representação, adquirindo o caráter de uma imagem pictográfica inconsciente que se transforma numa primeira forma de fantasia (CINTRA e FIGUEIREDO, 2010, p. 75).”
Coraline tem que lidar com toda essa frustração, a falta de liberdade, a ausência dos pais, a falta de afeto, a distancia dos amigos, a mudança de escola e AINDA, com o inicio da puberdade. Passa por conflitos típicos dessa fase.
A relação de Coraline com os pais, mas principalmente com a mãe frustradora é bem cindida, ou seja: mantém uma distância suficientemente segura entre os objetos persecutórios e os ideais.
Coraline ganha uma boneca que se parece muito com ela, mas com botões no lugar dos olhos, de uma vizinha. Simbologicamente, essa boneca pode representar a Coraline criança, a sua parte que ainda não amadureceu e está amadurecendo, entrando na idade adulta.
Após explorar o casarão onde mora (para passar o tempo), a menina descobre uma porta que dá para uma parede. Após esse episódio, Coraline tem um sonho em que é conduzida por um rato por essa porta, entrando em um ambiente que pode parecer o útero, sendo assim, uma simbologia de que ela está entrando no útero da mãe, realizando os desejos de força, controle e poder sobre ela.
Nesse Mundo Secreto, Coraline enfim tem seus desejos realizados: encontra seus pais ideais, aqueles que realizam seus desejos, a mãe faz comidas gostosas, os pais brincam e cuidam dela. Além, é claro, do jardim ser incrivelmente bonito. Ambos os pais tem botões no lugar dos olhos.
Os pais idealizados mandam Coraline para o quarto, para dormir. Seu quarto, muito diferente do real, é colorido, com cortinas, bem diferente de seu quarto real. Tudo enfim, parece perfeito. O seu sonho realizou todas as suas fantasias.
Porém, a outra mãe (Bela Dona) tenta convencer Coraline a ficar com eles, a viver nesse “Mundo ideal”, mas com a condição de que seus olhos também seriam costurados. Talvez, assim, sendo uma forma de “cegar” a consciência da menina.
Nesse momento, Coraline percebe que esse Mundo Ideal (que aqui nada tem a ver com o do Aladim) tem armadilhas, e se ceder a vontade de sua “mãe” perderá todo e qualquer contato com a sua realidade.
É nesse momento em que a “mãe” se transforma em uma aranha (bruxa), que aprisiona os pais verdadeiros de Coraline, que sente culpa e começa a agir em busca de reparação.
Ela busca recursos e consegue salvar seus pais, e trancar a porta com chave. Essa chave é jogada no poço para que a “mãe ideal” jamais a encontre.
Em seus estudos, Klein afirma que é necessária uma certa quantidade de ansiedade para a formação de símbolos e fantasias, para que o ego aprenda a lidar com a ansiedade de uma maneira adequada.
Quando Coraline vai contra a mãe idealizada, ela consegue unir os dois mundos, o real e o ideal, integrando-os da melhor forma. Dessa maneira, Coraline conseguiu manter a sua integridade mental (e viveu feliz para sempre).
Bom gente, espero que vocês tenham aprendido mais um pouquinho hoje!
Qualquer dúvida, crítica, elogio ou sugestão, é só escrever pra mim <3
Beijinhos e claro, Feliz dia das crianças.