UDR – Será que você entendeu a piada?
Olá, queridíssimos seres providos de carbono e amoníaco, venho-lhes entorpecer todos os sentidos auditivos e racionais com um tema além do óbvio ululante que pulula nas mentes humanas. Já ouviu falar de UDR?
Em resumo, um grupo de jovens mineiros resolveram se reunir e fazer música. Seria um tanto quanto vago demais afirmar que seu estilo é simplesmente Funk Satanista ou Rap Gorefuck (exato, vamos adentrar um pouco na podridão fétida do ser humano com este assunto), justamente por que vai além de toda essa estética superficial qual os ouvintes despreparados julgam o trabalho desta trupe genial.
Se, por acaso, você nunca ouviu falar de UDR e é, digamos, um tanto conservador, indico se preparar psicologicamente para a pérola que vem a seguir;
Sentiu?
Agora vamos falar um pouco da banda em si:
Por meados de 2003 em Belo Horizonte, dois jovens por volta de seus dezesseis por dezessete anos se reuniram com intuito de desconstruir paradigmas e tabus tradicionalistas, mas lógico, com toda a rebeldia morna presente na adolescência. Inspirados nos comediantes “Mazaropianos” e todo esse repertório de piadas de duplo sentido e críticas ao contraponto do esperado, nascia a UDR — Antes do nome consolidado (qual vamos falar sobre depois) passaram por grandes ideias de título como Bestial Glacial Necro Raven, Anal Creation, BTK e Nine Inch Snails. — Com todo seu humor ácido e irônico, começaram a escrachar o cenário Black Metal, quando um de seus amigos se sentiu ofendido por ser acompanhante assíduo deste. Porém, depois de pensar um pouco sobre o assunto e “cair na real” que dentro de toda aquela “zoeira” havia um fundamento genial, este amigo pega carona no projeto e se torna o mais novo membro. Assim, MS Barney, Professor Aquaplay e MC Carvão, conectados no antigamente famigerado Bate Papo Uol, nas salas de namoro evangélico, fazendo rimas pobres de cunho ofensivo ao nicho qual este era voltado (mas convenhamos que deveras engraçadas e sim, eles faziam por diversão), decidiram ir jantar em um restaurante japonês qualquer e dar vida à clássicos como “Bonde de Jesus” e “Dança do Pentagrama Invertido”.
Pois bem. Então eles são mais uma dessas bandinhas undergrounds que falam besteira e só isso? NÃO! Completamente NÃO! Está muito longe disso…
As letras, em seu tom sarcástico, explanam a mais profunda subversão da ordem. A partir do ponto em que o ser humano se sente inseguro quando colocado frente uma situação que vai contra sua percepção moral, ética ou proposta, existe a chamada aversão ao proibido, sendo que este “proibido” é, muitas vezes uma realidade mórbida qual faz parte de nosso cotidiano, mesmo que indiretamente. Subverter uma ordem estabelecida escrachando através do humor aquilo o que há de mais preconceituoso e anormal visto pelos costumes de uma sociedade, isso é UDR.
Por muito tempo, os integrantes deram várias definições para a sigla, deixando a maioria dos fãs sem entender o real significado, dentre elas estavam “Um Dedo no Rabo” ou mesmo a história de que homenageavam uns compatriotas da banda mineira “Udora”. Porém, em uma entrevista, senhor MS Barney relatou que UDR significa em si “União Democrata Ruralista” e, quem prestou atenção nas aulas de história, vai saber que foi um marco da reforma agrária extremamente conservador e moralista. Esse é só o início filosófico que está por trás do grupo, aplicando a subversão já começando com o ironizar destes ideais.
Dê uma olhadinha em uma das músicas do grupo que mais recebeu processos;
O que você pensa a respeito?
Concordo que para um bloco social despreparado (falando do Brasil é complicado dizer qual está) uma filosofia como essa pode ser vista como tutora de maus costumes e propagadora de ódio e/ou desrespeito. Mas estramos naquela velha história do preconceito, pois a parcela deficiente é esclusa de muitas coisas e uma delas é o humor. Em um dos shows, um funcionário público que ficou tetraplégico após um acidente, fez questão de subir no palco e cantar essa música com o grupo. “Sou fã de vocês, nós somos excluídos na sociedade e as pessoas brincam com tudo e a maior forma de preconceito é fingir que a gente não existe”, foram as palavras dele.
Assim como deficientes, a UDR também inclui em seus ideais a ideia do que gostam de chamar de “artistas burlescos do entretenimento adulto”, ou “travecos”. Os shows da banda eram formados principalmente pelo público homossexual e transexual, justamente por que no ambiente, tais pessoas se sentem à vontade, por que, diferente do pai de família que tem vergonha de assumir que tem fantasias, realizadas ou não, com tais relações trans, nos shows, ninguém precisa esconder sua verdadeira essência. E a música que ilustra como hino, é a seguinte;
Encaminhando para o final, quero te perguntar: Independente da sua religião (sério dessa vez sem gracinhas), você vê um tom cômico quando o deus de outra cultura é colocado como alvo, certo? Uma piadinha sobre o balofo do Buda, a quatro braços da Shiva, até o Diabo, quando é pra falar mal dele é tranquilo… Mas e Jesus, aquele mão furada, não pode? Exatamente… Pode soar ofensivo… Mas no país que se julga laico (Sério, isso é pra rir), ideias contrárias ao conservadorismo cristão são vistas como inaceitáveis.
Complicado isso aí…
Se pegarmos um recorte de uma das obras, sem dúvida o conteúdo será ofensivo e inadmissível, porém, se você entender a proposta, vai saber que, assim como qualquer forma de arte precisa ser analisada para compreensão plena, a UDR é, de sua forma escrachada, uma obra prima.
Não quero discutir o limite do humor e nem o da ética hoje, quero apenas que entenda que tal grupo tem um embasamento por trás de toda a “zoeira” pesada.
Conheci tal preciosidade em 2006 no, antigamente exaltado, Gordo Freak Show da MTV, onde a UDR se mostrava algo interessantemente novo e bizarro ao meu ver e com o passar do tempo entendi as ideias e os ideais da banda. A zoeira é sempre boa, mas saber separar tudo em mente é melhor ainda. Mesmo assim, perante processos e ações judiciais, foram proibidos de continuar produzindo e divulgando suas genialidades em Julho deste ano.
Agora eu pergunto: Será que você entendeu a piada?
Hasta, meus queridíssimos seres humanoides respiradores de oxigênio, nos “lemos” por aí.
Só encontrei esse texto hoje, mais de 8 meses depois de postado, mas é a análise é ótima. A análise do todo da obra é o que falta para boa parte dos críticos da UDR, tanto os conservadores e até mesmo um pessoal progressista criticou demais essa banda tanto porque não aceitaram e/ou não entenderam a piada; pois é meu camarada…